19 março 2006

Vejam que artigo interessante sobre a magistratura

Edição nº 1713 17 / 03 / 2006 Edições Anteriores

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Edson Jobim Vidigal: apolítica “a partir da toga”
Por Rui Nogueira
O Poder Judiciário precisa parar para pensar. Parar no sentido figurado, mas pensar no sentido mais do que objetivo. Seus líderes, que são, ao mesmo tempo, juízes e cidadãos políticos, deveriam passar em revista as últimas decisões do Poder – não me refiro só às sentenças, mas também a elas. O ministro Nelson Jobim, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e chefe do Poder Judiciário, destrambelhou, politicamente falando, faz tempo, e o colega dele, Edson Vidigal, que preside o Superior Tribunal de Justiça (STJ), segue-o nos piores exemplos.
A quebra de decoro de juízes e políticos afeta igualmente as instituições a que pertencem, Judiciário e Legislativo, respectivamente. A diferença é que um político, além de ser mais facilmente criticado e acuado, pode ainda ser obrigado a renunciar ao mandato, investigado e ter o mandato cassado e, não menos importante na escala de castigos democráticos, pura e simplesmente derrotado nas urnas. Um juiz também se submete a vários códigos de conduta, mas está longe de ser um alvo tão publicamente exposto quanto um político. E não é fácil de responsabilizar pelos erros que comete.
Impedimento e suspeitasA diferença abissal nos dois casos aqui comparados é que os políticos são eleitos, enquanto os juízes têm de cumprir um dever de Estado que os torna sacerdotes da profissão pública. Mais que isso, e esta é a diferença essencial: entre os três Poderes, no Estado de Direito pleno, é o Judiciário que funciona como moderador, aquele que, pela lei, se enquadra e manda enquadrar o Executivo e o Legislativo. Diante de tamanha responsabilidade, é obvio que do Judiciário, como diz o ditado popular, não se espera apenas que ele seja correto, mas que pareça também, o tempo todo, correto. Ao Judiciário não é dado o direito de errar fácil, ainda que nenhum Poder seja infalível, e muito menos o direito de levantar suspeita fúteis sobre as suas decisões.
No usufruto dos benefícios políticos, o eleitor pode escolher entre centenas de parlamentares e trocar de interlocutor se não se sentir satisfeito, quantas vezes quiser. A interlocução da sociedade com os juízes não tem essa liberdade – ainda bem –, segue regras mais estritas, e um cidadão não pode interditar as ações do Judiciário diante de desconfianças subjetivas. Portanto, quando a ação de um juiz, ainda mais em um processo político-partidário, é passível de levantar suspeitas, é de bom tom que ele se considere impedido para o julgamento.
Política e togaIsto tudo a propósito da decisão liminar do presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, que suspendeu as prévias do PMDB marcadas para este domingo. Ainda que a direção peemedebista, quando este texto for lido, já tenha cassado (ou não) a liminar e suspendido (ou não) a consulta para escolher o candidato do partido ao Planalto – entre Germano Rigotto (RS) e Anthony Garotinho (RJ) –, é certo que estamos diante de uma decisão aberrante de um juiz. Transcrevo o que disse o ministro Marco Aurélio de Mello à revista Primeira Leitura deste mês, que está nas bancas: “A opção do juiz pela política não pode ser feita a partir da toga”.
A carapuça serve à perfeição ao ministro Vidigal. E preocupa que esses erros, com marcas da mosca azul, estejam sendo cometidos por membros da cúpula do Judiciário, aqueles que deveriam aspergir o exemplo de cima para baixo.
Um juiz pode ser um inocente útil em um processo político, mas, no caso de Vidigal, sua trajetória profissional, desde os tempos em que cobria a política nacional para o Jornal do Brasil, prova que ele sabe como ninguém com quantos paus se fazem as canoas das disputas partidárias.
Edson Vidigal, maranhense, amigo íntimo do senador e ex-presidente da República José Sarney (PMDB-MA), que foi quem o nomeou para o STJ, anunciou que vai se candidatar nas eleições de outubro próximo. Fê-lo com certo estardalhaço e, como diria aquele ministro do Supremo, “a partir da toga”. Anunciou até o partido a que se filiará, o PSB, aliado de Lula e do PMDB, com ou sem prévias, na disputa pela reeleição do petista. E fez tudo isso na condição de juiz e presidente do Superior Tribunal de Justiça, cargo que só deixa no próximo dia 30 de abril – data que é facultada aos juízes para se filiar e desimcompatibilizar dos cargos para concorrer às eleições, enquanto os parlamentares são obrigados a se filiar um ano antes da eleição. Quem está em cargos do Executivo e quer concorrer à eleição tem de se desincompatibilizar até o fim deste mês.
Vidigal, o juiz, transformou-se, há pelo menos três meses, no Vidigal pré-candidato declarado da política maranhense – ou a vice em uma das chapas mais fortes ao comando do Executivo ou a uma cadeira do Senado federal. O governo do Estado tem hoje duas pré-candidaturas fortes, a da senadora Roseana Sarney (PFL) e a de Jackson Lago (PDT). Sem querer perder a amizade com os Sarney, Vidigal, o juiz-pré-candidato, tenta se acomodar na chapa e no cargo que mais frutos políticos lhe render. Não há nenhuma ilegitimidade na demanda, mas ela deveria ser feita sem a toga sobre os ombros. Muito menos com a toga e se declarando candidato e decidindo sobre as prévias do PMDB. Não custa lembrar: o senador Sarney comanda as hostes do PMDB pró-derrubada das prévias e pró-adesão a Lula.
E que argumento o STJ acolheu? O de um peemedebista esperto que argumentou a impossibilidade de realizar as prévias porque os diretórios regionais ficam fechados aos domingos. Quando o escárnio da política partidária encontra guarida no desdém institucional de alguns juízes, o Estado de Direito abraça a avacalhação.
[ruinogueira@primeiraleitura.com.br]Publicado em 17 de março de 2006.