22 janeiro 2006

Para não dizerem que só falo do lado de lá...

O mundo encantado da enganação tucana

Dois grão-tucanos deram, na quinta-feira da semana passada, uma preciosa contribuição à campanha eleitoral deste ano: expuseram publicamente a opção pelo embuste. Nos dois casos, tratou-se de enganar a patuléia maquiando ruínas da rede de saúde, fazendo de conta que aparelho travado funciona e que o inexistente existe. (Em 1998, o tucanato manteve-se no Palácio do Planalto fingindo que a crise cambial era coisa de pessimistas do PT. FFHH reelegeu-se em outubro e o Brasil quebrou em janeiro.)

José Serra, prefeito de São Paulo e candidato a presidente da República, resolveu medir sua pressão arterial durante uma visita ao posto de saúde de Cidade Tiradentes, localidade habitada por 150 mil cidadãos de baixa renda. Acompanhado por jornalistas e fotógrafos, sentou-se diante de um daqueles aparelhos com bolinha de mercúrio.

Veio o primeiro e... pffff. Trouxeram outro, desta vez pilotado pela secretária de Saúde, Maria Cristina Cury.

'Finge que funciona', disse-lhe o prefeito.

Pffff.

'12 por oito', anunciou a secretária.

O prefeito e a doutora estavam num posto de saúde destinado a atender famílias de trabalhadores, dois aparelhos de medir pressão não funcionaram e, em vez de o céu desabar, privilegiou-se uma sessão de fotografias, simulando-se um tudo-bem. Não ocorreu ao prefeito dizer que só sairia dali quando alguém conseguisse trazer um medidor de pressão capaz de medir pressão. (Os aparelhos não funcionavam porque eram novos e continuavam lacrados. Continuavam lacrados porque não eram coisa do mundo da saúde pública de Cidade Tiradentes.)

No Rio de Janeiro, o tucanão Ronaldo Cezar Coelho, secretário municipal de Saúde, acompanhou o ministro Saraiva Felipe numa visita ao Hospital Souza Aguiar, o maior pronto-socorro da cidade. Tudo uma beleza. O ministro esteve num bonito auditório, perfeitamente refrigerado, no agradável padrão dos 20 graus. Tudo mentira. O ar dos doutores era falso, soprado por dez máquinas alugadas por quatro horas. Algumas dezenas de metros adiante, na sala de espera do setor de emergência, a temperatura estava em 37,5 graus. Havia gente refrescando-se com panos úmidos.

O secretário Ronaldo Cezar Coelho informou que o aluguel da frescura foi decisão sua. Disse assim:

'Não faz sentido receber o ministro da Saúde aqui e não ter ar-condicionado. ( ) Isso é implicância de quinta categoria e não tem nada a ver com saúde. É uma bobagem. ( ) Não sei quanto custou e não vou discutir preço de aluguel de ar-condicionado'.

Se o secretário achava que não fazia sentido receber o ministro sem ar refrigerado, deveria recebê-lo em casa ou no seu gabinete. O que não faz sentido é associar a temperatura de um prédio público à presença de maganos. (Idéia: ministros e secretários com aparelhos portáteis, como os dos astronautas.) A cobrança não deriva de implicância nem de bobagem. Deriva da falsificação deliberada da realidade. A resposta de Ronaldo Cezar Coelho reflete a arrogância do andar de cima, no qual as pessoas habituam-se a achar que existe um Brasil onde não faz calor.

Se faz, como fazia na emergência do Souza Aguiar, o problema é do brasileiro, que sempre vai para o país errado.

Felizmente, no dia 1º de outubro, as turmas de Cidade Tiradentes e da emergência do Souza Aguiar vão batucar as maquininhas das seções eleitorais.

Extraído da coluna de Elio Gaspari, no Jornal Correio do Povo, 22/01/06